“Há mais respostas do que perguntas.” – Disse ninguém, em momento nenhum. Na verdade, além de ser surreal, essa frase não cabe no ser humano, que sempre tem milhares de pulgas atrás da orelha, até mesmo as que ainda não foram notadas e as que adormecem como certezas sólidas até serem despertadas por uma nova descoberta imprevisível e transformadora. São milhares de caixas esperando conhecimento para preenchê-las. Até aqui, tudo bem, mas como toda boa história tem conflito, vamos a ele, que pode não ser dos mais objetivos ou contidos neste amontoado lexical, mas acho que merece ser a estrela de alguns devaneios. O problema não é a falta do que pôr dentro delas, mas de onde retirar as convicções e como moldá-las para melhor caber nos vazios que nascem até nos mais inóspitos dos ambientes.

Subimos muitos degraus ao longo dos anos, das gerações, das guerras e trocas e comércios e explorações. A aceleração de nossas conquistas é gradual e irrefutável, mas ao sabermos que poderíamos estar fazendo muito mais, passamos a nos condenar por ainda não já termos chegado ao máximo do nosso potencial. A frustração não vem originalmente do pico que ainda não foi tocado, mas do anonimato dele, da neblina que o cerca e faz dele algo tão maior do que nós. A falta de controle do que conhecemos nos desestabiliza de uma maneira incomparável, pois além de não dizer muito sobre o todo que conseguimos imaginar, diz muito pouco sobre nós, o que estamos fazendo de errado e o que podemos fazer para acelerar, ainda mais, o nosso processo de domínio intelectual do universo.

Muitos de nós se viram para a religião, para os deuses, para as onipotências que ansiamos ser. Jogam em suas costas tudo o que não pode ser explicado com fórmulas complexas e ornamentações majestosas de palavras. Se sentem livres do peso da ignorância, mas continuam nela. Imersos na negação de que a procura por resoluções não é algo para elas, essas pessoas se excluem do mundo que corre, constantemente, atrás de satisfações que possam, perfeitamente, pertencer às caixas que surgem na estrada da busca pela autossuficiência inquestionável. Mesmo permanecendo sem concretude em suas mentes, muitos de nós se acalmam ao retardar o senso de responsabilidade para com a catalogação de todas as coisas que muitos superestimam e põem antes até mesmo de si mesmos. As divindades não fazem mais do que nós, não tornam as caixas robustas e as lacram como desejamos, mas lhes dão a paz interior que eles precisam para se sentirem melhor consigo mesmos.

Outros de nós fazem justamente o contrário, provam que somos reféns de nossos extremos, se afogam na devoção às indagações e lacunas, perdem o fluxo da condução de suas habilidades psicológicas e se entregam ao pessimismo de que não somos e nunca seremos capazes de preencher todos os recipientes. Para esses outros infelizes, a frase inicial é invertida e tida como verdade universal e atemporal e incondicional. A depressão vem, o desleixo a acompanha, o fracasso é detalhe colateral, o medo é filtro primordial de tudo que importa, ou seja, tudo, e o descaso contamina até os mais simples dos dilemas. Os jovens são os que mais sofrem desse mal, porque o normal é lhes dizer que é preciso ter os planos da vida traçados, e que eles precisam ser infalíveis, e que o sucesso deve ser maior do que a felicidade, porque ela não tem mapa inconfundível com um X marcando a sua localização; ela não é normal o suficiente para ser perseguida antes do que é venerado por sua normalidade. Na pressa, no caos das possibilidades, quem não escolhe o mais óbvio, se perde em toda maravilha genérica de todo o resto. Estamos acostumados a apenas valorizar aquilo que podemos compreender assim que identificamos a sua existência, por isso menosprezamos ideias alternativas e atitudes experimentais. Queremos colonizar novos territórios, mas nutrimos somente as expedições que podemos descrever com um verso, uma expressão facial, um tom de cinza.

Abraçamos os lados mais simplistas da vida e nos sufocamos com orgulho. Somos seres tão propícios às inconsistências da realidade e ironicamente escolhemos rejeitá-las como se vivê-las fosse o maior erro que podemos cometer. O que não é mastigado, pronto, isento de maleabilidade, não serve, é tóxico, é prejudicial para a nossa funcionalidade enquanto engrenagens de uma sociedade que tem que caminhar para frente sem olhar para os lados ou reformular nossa rota de acordo com nossa intuição ou interesse ou bem-estar. Seguimos regras básicas e não recebemos mudanças bem. Itens que não podem ser prensados para encaixar nas classes adoradas não são bem-vindos e ponto! Respeitamos o que é mero, ordinário, o que tem sido o padrão, mesmo que signifique desrespeito a alguém, alguém que não tem poderes oriundos de zeros à direita. Priorizamos julgamentos rápidos e sem capítulos de reconsideração. Desconsideramos a mudança imensurável pela qual passamos agora, agora e agora. O universo de três milissegundos atrás não é o mesmo de agora, e de agora, e de agora.

Trancamos todas as coisas que requerem qualquer tipo de reflexão em periferias. Nos enganamos ao pensar que o trabalho árduo de uns vale por todos, e que o saber consciente é algo para poucos. Essas são mais manobras de desespero, focadas em nos sentirmos menos culpados por não podermos carimbar uma incógnita como “desvelada” assim que a encaramos. Nos fazemos de desentendidos, de inaptos. Enaltecemos o que não entra em nossas cabeças da forma que idealizamos como unicamente válida e nos diminuímos ao ponto de crermos que não é parte do nosso propósito passar tempo tentando solucionar mistérios que, antes de mais nada, nos incomodam, logo, nos pertencem, mesmo que não sejam nossos do jeito que queremos. Para manter a cortina da ilusão densa, tomamos pílulas de facilidade em toda oportunidade, fácil, que encontramos. Alguns filmes, músicas, textos, conversas, discussões, lugares, brigas, mortes são para muitos de nós, outros são para quem se sacrifica no ato da reflexão. O tempo passado nela te começo, mas é sem fim, por isso, para muitos de nós, a vida é curta demais para desperdiçá-la prestando atenção às suas variabilidades.

Não deveríamos tentar responder todas as perguntas, nem eliminar as que não podemos responder, nem nos esquivarmos delas com crenças absolutistas e dribles covardes, nem aceitar as respostas apenas se elas forem completas. O que mais dói não é não saber, mas reconhecer a existência e a importância do que não sabemos. O melhor a se fazer não é negar nossa relação com o que não conseguimos castrar, calibrar, medir, vender, comprar, recortar… O melhor a se fazer, por ora, na concepção do agora, que não precisa valer para todos, mas precisa ser considerado por todos, é destrinchar tudo o que gera desconforto cru em nossas mentes, e nesse ato de insanidade incrivelmente sã, semear ganchos para outras interrogações.

Por que fulano sofre? Por que está tão quente? Por que a inspiração não pode ser forçada? Por que ainda temos tanto preconceito? Por que esse texto ainda está indo? Nunca saberemos tudo sobre o universo porque nunca saberemos tudo sobre nós. As barreiras são tantas e nossos ciclos são cada vez mais frágeis.

O melhor a se fazer não é tentar fazer tudo que se conhece sobre algo caber numa caixa, mas atrelar um cordão de subjetividade e cordialidade a tudo que conhecemos sobre algo. O melhor a se fazer é deixar o conhecimento flutuar, fluir, preso apenas à nossa noção de que jamais devemos ser servos de uma só noção, uma só interpretação, uma só visão. Afinal, não há apenas uma versão de tudo que tem uma versão.

“Não precisamos ter todas as respostas; até porque não temos todas as perguntas, e nunca teremos.” – Disse alguém exausto, no canto de um quarto escuro, no fim da madrugada de pensamentos completamente inéditos, coberto de café, banhado em dores musculares e com um véu vermelho sobre os olhos.