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By Jô

Esmiuçando qualquer coisa especial

mês

julho 2018

Memórias de um eu inexistente, 1

Não do nada, não de graça, vemo-nos. Todos alheios? Todos nossos? Todos crentes em quem concebeu-nos? E a força dos olhares acorrenta-nos delicadamente, chamando-nos para a conversa que não pode mais ser adiada. Somos todos vadios, inocentes sacanas, queridas e infames vítimas de nós mesmos. Escravos e amantes de nossos medos, quem diria… Não há prisma que nos iluda, somos três faces distintas de uma moeda que jamais entrou em circulação.

Abro a porta primeira, eu, o dito original, marginalizado e jamais esquecido. Morrer decidi, mas não me deixam partir, vocês… O que custa me trancar aqui e jogar a chave no bolso da calça que já não lhes cabe mais? O que é que tem aceitar que eu não tenho como atravessar esse batente? Já sou a culpa duas vezes, por não me amar e por não me viver, então, peguem o bastão vocês.

Abro também, a minha, eu, o realmente intruso, o que veio porque você se foi. Sem instruções, sem convicções, sem pensamentos próprios meus. Sim, tenho nojo da existência que você me deu. Quem quer ser um reflexo do tenro e imaginável? Quem quer ser o básico do normativo embutido em conformidade e omissão? Eu, não! Mas sou, e é a isso que me recolho, toda noite, em serena e renovável insatisfação. Clamo pelo teu retorno, teu carinho, teu conselho, mas lembro. Lembro que sou um usurpador, um sanguessuga. Passo pelo buraco da fechadura, pelas frestas lustradas dessa fachada nada fedida. Passo porque não me dou a glória de nutrir nenhum embaraço, pois de todos você nos despiu.

Nem abro, não ouso, mas ouço, nossos três corações. Eu não reclamo, e de tanto que me amo, não consigo judiá-los com minha invasão. Eu sei o quanto já dói, tanto não saber o que seria sem o preconceito quanto não saber o que se é sem ser você mesmo. Do alto do meu privilégio, de ser uma hipótese, uma promessa de vocês dois, uma redenção de um ato de autoperdão que sempre fica para depois, não posso me manifestar, senão, já falho com meu princípio de mal a mim mesmo não causar.

Por fim, não pelo fim, enfim, nos encontramos. Caras a caras, o que temos a dizer para mais ninguém tem preceder, e não podemos mais jogar para debaixo do travesseiro o despertar de uma nova forma de autoconsciência.

Ódio?

O ódio e a fé nele
Certezas tão grandes
Do alto, caem, quebram

Em si, enganadas
Todas as fáceis falas
Não matam a sede
Da justiça, ignorada

Embebido em distorção
Sem caos entre as mãos
Amamentando-se pleno
Ele se basta

Quem odeia
Tanto deixa
De se amar

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