E se eu te disser que tudo bem lembrar? Não é o mesmo que voltar, ainda que, em parte, pareça exatamente o que tanto você teme. Recordar nem sempre é viver, e neste caso, não deve ser, e não tem que ser, acredite. Não faz mal rebobinar, porque já passou, realmente, já. Não se pode apagar, reescrever, esmaecer. Nem ouse fingir que não foi, que não doeu, que não sofreu. Deixe a lembrança vir, não brotar. Deixe-a fluir, não afogar. Deixe-se reviver sem reavivar.
Deixe a superação submergir também, mais forte, e navegue com ela como uma armadura, outra lembrança, de que ficou melhor depois de ter piorado, e que, se piorar de novo, não será para sempre. Assim, não há aflição que tire o fôlego, e no meio de todo nome feio, nenhum será tão pesado a ponto de arrastar a tua cabeça de encontro ao teu peito. O que é bonito não é para ser guardar, mas resguardar, logo, não deixe o olhar pender para baixo a não ser que seja para se defender, jamais se esconder.
Os amigos que se afastaram para comprovar sua masculinidade não voltarão, as extorsões não serão desfeitas, desculpas não apareceram debaixo do travesseiro, os socos, literais e metafóricos, não se retirarão. Não é sobre o que foi ou deixou de ser ou jamais pôde ousar, mas sobre o que se faz com a sobrevivência disso tudo. Inclusive, a qualquer momento, tudo bem chorar.
Não é fácil olhar no danado do espelho embaçado e falar isso. Chuviscos em trazem para uma razão que eu quase nunca tinha, e a sujeira nos cantos da moldura não são sinal de fuga, mas sementes de honestidade. Ainda há trabalho a fazer, em mim, no mundo, para que as lembranças continuem sendo apenas elas, lembranças, e que a realidade seja diferente para as nossas crianças, as que existem e nós, e as farão melhor do que nós.