Entre altos inegáveis e baixos relativos, Bates Motel chegou à sua quinta e última temporada dispondo o ápice dos distúrbios e distorções que seu protagonista masculino hospeda, e do qual ele é vítima, certamente. Sem novidades na excelência e na química das atuações principais, mas com um palco narrativo inédito, Vera Farmiga e Freddie Highmore brilharam ainda mais juntos ao compartilharem a tela em alternâncias elegantes e envolventes, que só consolidaram a identidade dramática e recheada com tensão que fez a série tão respeitável ao longo de meia década de exibição.

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Começando pelos coadjuvantes, é importante destacar que, embora Dylan [Max Thieriot] e seu núcleo tenham destoado a validade do conjunto geral da série por não serem tão relevantes ou por terem tomado proporções maiores do que as aceitáveis, o encerramento dado ao personagem foi positivo, e merecido, essencialmente quando se leva em consideração a trajetória emocional e comportamental do jovem em busca de aceitação e paz, já que sua família nunca foi fonte de segurança, acolhimento ou algo de tal natureza. Fruto de um estupro do tio, renegado pela mãe que não sabia como se sentir em relação a ele, irônica e infelizmente, foi o Bates a sobreviver de pé, a carregar o nome e presentear sua esposa e filha com o famigerado.

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Por outro lado, Romero [Nestor Carbonell], que nunca foi mais do que um interesse amoroso, regeu uma curva de conduta para lá de independente nessa temporada. Sem Norma para Norman se esconder atrás, e Norman sendo o responsável pela morte da mãe, o ex-xerife pôde comandar seu ato final sendo motivado apenas pela vontade, sem nenhuma censura, de vingar a ida trágica e injusta do amor de sua vida. Por amor, ele perdeu todas as noções de limites, isso depois de perder todas as chances de atingir qualquer nível de alegria. A experiência de ver o personagem se libertar de sua passividade, perdendo seu charme e ganhando pena ao invés de admiração compeliu-me suavemente durante todo o processo de autodestruição, até as últimas palavras de justiça pela mulher que o levou o mais próximo que ele já esteve da felicidade.

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Marion Crane [Rihanna] e a cena do chuveiro, uma das partes da adaptação mais esperadas, tiveram uma subversão tão surpreendente quanto atual e alucinante. Podemos ver essa mudança drástica no retrato do evento não apenas como mais uma das várias mortes que Norman, por impulso ou por qualquer uma das complicadas situações psicológicas nas quais ele se encontrou, consumou, mas como um ícone de força feminina muito representativo para os tempos atuais e significativo para o legado da série enquanto forma de arte mais recente a revisitar a história. Sendo coerente para a estética e a proposta sórdida e chocante de Bates Motel, as facadas também tiveram as marcas emblemáticas transpostas do filme de 1960, como a aproximação incômoda no rosto e no olhar de quem morre, assim como no de quem mata. O dualismo entre os dois lados da faca, entre a carne que a manuseia e a que ela penetra foi, sem sombra de dúvida, uma das surpresas mais bem-vindas de toda a temporada, que ficará sólida como uma das alterações mais audaciosas e consistentes da televisão.

A solidão de Norman foi porta escancarada para o último grande desenvolvimento dos transtornos do personagem. A poesia agonizante de um rosto dócil de um jovem escravo de seus traumas chegando ao topo de seu papel enquanto cascas para as atrocidades cometidas tão lamentavelmente foi tão eficiente que a série nunca fez uma recapitulação dos litros de sangue derramado pelas mãos do filho querido, porque o roteiro nunca foi tão pobre a ponto de precisar fazer isso, porque o cuidado com as transições, a falta de pressa e a sensibilidade tornaram palpável e memorável a empatia com um personagem que, no fim das contas, era mais do que um assassino. Norman é mais uma vítima de si mesmo, da superproteção de uma mãe violentada dentro de sua própria casa, da simplicidade nociva de uma vida regida por reclusão e medo.

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O carinho sempre foi desespero, a complacência sempre gerou aflição. Ver a preservação e, em algum nível, a ressurreição do que um dia fez Bates Motel algo tão refrescante e imersivo foi catártico e satisfatório. Contudo, uma temporada inteira para um desenvolvimento tão condensado talvez não tenha sido a melhor das escolhas, apesar de que os personagens centrais são forças tão imponentes, e ao mesmo tempo tão intoxicantes, que expandir demais os holofotes para longe deles foi o que fez a série perder parte de seu primor, principalmente na terceira temporada. Mesmo assim, a execução não deixou aberturas para descontentamentos esdrúxulos, a temporada passou longe de monótona ou desinteressante, ainda que não seja a melhor. Talvez seja a melhor das ímpares.

No fim de 50 episódios, voltamos, em alucinações, à grande mudança de vida almejada na cidade de White Pine Bay, onde a esperança esperada pela mãe viúva e pelo filho da mãe viúva morreu lentamente pelas mãos da carga dos danos emocionais dos quais ambos jamais conseguiram se libertar. De certa forma, assistimos a uma série sobre pessoas que já estavam mortas, assistimos a mais de suas mortes, até a mais esquisita delas, a mais ordinária, a mais dentro do normal.


1163O que mais agradou: O trabalho, a coordenação de câmeras e a sincronia das atuações nas cenas em que a Norma interior e Norman habitam a superfície do rapaz, o seu discurso e atitudes.

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1171O que menos agradou: Chick [Ryan Hurst] servindo meramente para elevar a cota de sangue derramado por Romero, sendo tratado apenas como um elemento dispensável em uma morte tão apática quanto ele jamais foi. De ameaça à amigo a alívio eventual à cadáver em um porão.

P.S.: Por outro lado, mais positivo, tanto o texto quanto a interpretação da Emma [Olivia Cooke] foram eixos de extrema ligação com o público. A melhor fase da personagem foi justamente a dela como mãe, como protetora de sua família, como conhecedora de todas as verdades que a trouxeram até sua posição final.