Ela vem devagar, silenciosa, executa o ato mais nobre e cativa minha atenção, cobre minha realidade com o manto imensurável, mexe com minha agenda, meu destino, minha vida. Cai sem pedir licença, entra por onde for possível, destrói quem for fraco, dá vida aos que merecem. Sem cronograma, modelo, prazo de validade ou nomenclatura; ela dita sua existência. De repente, da mesma forma que veio, se vai, me deixa nu, com frio, no meio do nada, com a boca aberta, com a mão na cabeça, do jeito que ela quer. Agora que já não está mais entre aqui, deixa saudade, aroma, atmosfera modificada, amor que adormece rápido, e acorda quando ela retorna. Um pulo, um mar, uma esquina, um reflexo, uma onda do tamanho do meu passo, uma joia no fundo da rua, no meio das luzes, no espelho cósmico. Sempre volta, às vezes mais imprudente e descoordenada do que nunca, não sabe se está cansada ou pronta para a batalha, não decide se vai embora para sempre ou se vai se estabelecer junto a mim. No escuro me assusta como em nenhuma outra circunstância, quando grita, me tira do sossego, da alegria de estar vivo, da tranquilidade de estar com ela. Há momentos em que seu temperamento não machuca nem a mais delicada das flores, sua suavidade é traduzida no buque de cores que aparece devagar, decora a brisa e contamina os pensamentos perdidos com esperança . A verdade é que, mesmo que me atrapalhe de tempos em tempos, tenha várias caras, seja indecisa e impaciente, indiscreta e intransigente, indomável e desvendável, eu a amo, desde pequeno, quando ela abraçava eu e minha inocência, na lama, nos fins de tarde, no calor da honestidade, na duplicidade da nossa conexão. Depois de tudo que já vivemos lado a lado, eu continuo a reclamar, ela continua a ser fiel à sua essência, e o ciclo de idas e vindas, separações e reencontros, enganos e certezas, se repete sem interrupções, falhas ou divergências.

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